Ao longo da vida da mulher, infelizmente, ocorrer um aborto é uma situação muito comum. O aborto espontâneo acontece em aproximadamente 15 a 25% das gestações. Já o aborto de repetição ou as perdas gestacionais recorrentes acometem cerca de 0,5 a 2% das mulheres.
O abortamento está associado a sofrimento e a impacto na qualidade de vida das mulheres e de seus parceiros. Assim, é importante uma criteriosa investigação das possíveis causas do aborto de repetição, para que se necessário seja realizado o tratamento adequado, com o objetivo de evitar novas perdas gestacionais.
Investigação e causas do aborto de repetição ou aborto recorrente
O termo aborto de repetição ou aborto recorrente é tradicionalmente usado quando ocorrem três ou mais perdas gestacionais com menos de 22 semanas ou com peso fetal menor que 500g.
A partir de duas perdas deve ser realizada uma criteriosa investigação do casal. Com isso, o nosso objetivo é identificar as possíveis causas para o abortamento e realizar tratamento quando necessário, já que a probabilidade da ocorrência de novo aborto estar aumentado a partir de duas perdas, e também tendo em vista as repercussões emocionais.
É importante lembrar que, em aproximadamente 50% dos casos, não encontramos uma causa identificável para o aborto recorrente. No entanto, é relevante ressaltar que o tabagismo, consumo de álcool, café em excesso e obesidade, por exemplo, são fatores de risco para abortamento, ou seja, são fatores com efeitos negativos nas chances de manter uma gravidez com sucesso.
A idade da mulher também influencia no risco de perda gestacional. Mulheres em torno de 30 anos apresentam 20% de risco, com 40 anos sobe para 40%, e aos 45 anos, chega a 80%, isso está relacionado principalmente com a baixa qualidade dos óvulos com o avançar da idade.
Quais as principais causas?
- Alterações genéticas
- Alterações anatômicas (Problemas no útero)
- Trombofilias
- Causas hormonais ou metabólicas
- Infecções
- Dentre outras
1) Causas Genéticas
A maioria dos casos de abortos isolados resultam de causas genéticas altamente influenciadas pela idade materna. De todos os óvulos que uma mulher produz cerca de 40% apresentaram alteração cromossômica, e na maioria dos casos essas alterações ocorrem acima dos 35 anos.
E quando falamos em aborto de repetição, essas causas genéticas devem sempre ser avaliadas e os tratamentos apropriados devem ser considerados.
O exame genético que solicitamos de rotina para o casal com esse quadro de aborto recorrente é o cariótipo com banda G. Nessa investigação, as alterações no cariótipo do casal estão presentes em cerca 7% dos casos.
No entanto, quando realizamos a análise genética do material do aborto (estudo genético por biologia molecular ou cariótipo do embrião/feto), aproximadamente 60% são de causa cromossômica. E esse número aumenta conforme a idade.
Para o desenvolvimento normal do embrião, suas células devem possuir 46 cromossomos com todos os genes. Algumas gestações evoluem em abortamento pois os embriões tem cromossomos a mais ou a menos, ou seja, são geneticamente alterados.
– Por exemplo: Quando ocorre um abortamento em uma mulher com 44 anos de idade, quase 85% dessas ocorrências é resultado de uma aneuploidia – alterações cromossômicas no cariótipo do feto.
Assim, a partir da segunda perda gestacional é importante identificar a causa desse abortamento, sendo aconselhável solicitar o cariótipo ou exame genético do material do aborto, para o planejamento futuro de uma nova gestação.
O aconselhamento genético está indicado se houver alterações no cariótipo do casal, de um ou dos dois. A conduta proposta nesses casos é a realização de Fertilização in vitro (FIV) com biópsia do embrião para diagnóstico pré-implantação, ou seja, a realização de análise genética dos embriões do casal, formados a partir da FIV, antes de colocá-los no útero.
2) Alterações no útero
O útero é o órgão responsável por fixar e acomodar o embrião que se desenvolve até o nascimento do bebê. As alterações ou deformações na cavidade uterina atrapalham a implantação do embrião e o desenvolvimento da gestação, podendo ser causa para o aborto de repetição.
Nesses casos de abortos recorrentes, em média 12% são causados por alterações anatômicas uterinas.
A partir de uma história clínica detalhada, com ênfase nos antecedentes ginecológicos/ obstétricos e exame físico é possível definir os exames complementares a serem solicitados. Nesses casos, são indispensáveis a realização da ultrassonografia pélvica transvaginal (1° exame de imagem a ser solicitado) e a histeroscopia diagnóstica. A seguir, se necessário, a ultrassonografia 3D ou a ressonância nuclear magnética.
São alguns exemplos de alterações uterinas que podem estar relacionados ao aborto de repetição: útero septado, útero bicorno (bicorporal com colo normal), miomas submucosos, pólipos endometriais, aderências uterinas, incompetência istmocervical, dentre outros.
3) Trombofilias
As trombofilias são doenças associadas à alteração da coagulação do sangue. Elas podem ser adquiridas (desenvolvidas ao longo da vida) ou hereditárias.
A trombofilia adquirida que está associada a maior risco de abortamento é a Síndrome do anticorpo antifosfolípedes (SAAF), sendo responsável por cerca 15% dos casos de aborto de repetição. Veja no próximo tópico, mais detalhes a SAAF.
Síndrome do anticorpo antifosfolípedes (SAAF)
A SAAF é uma trombofilia adquirida, caracterizada pela presença de anticorpos antifosfolípedes que interferem na coagulação sanguínea, aumentando a predisposição a trombose e/ou complicações durante a gravidez. Pode haver a formação de microtrombos na área de contato do embrião no útero, levando ao abortamento.
O diagnóstico da SAAF se baseia na presença de critérios clínicos e laboratoriais, que serão listados abaixo. É necessário a presença de 1 critério clínico e 1 critério laboratorial para a confirmação desse diagnóstico.
Critérios clínicos (presença de 1 deles)
- Ocorrência de trombose (arterial, venosa ou de pequenos vasos);
- Intercorrência obstétrica, como por exemplo: óbito fetal, pré-eclâmpsia, restrição do crescimento intrauterino ou aborto de repetição.
Quais são os critérios laboratoriais?
Presença dos autoanticorpos (pelo menos 1 dos 3 listados):
- Anticorpo anticardiolipina;
- Anticoagulante lúpico;
- Anti-beta 2 glicoproteína 1.
Os exames laboratoriais devem ser feitos fora da gestação e se positivo repetir com intervalo mínimo de 12 semanas para confirmação.
Se for confirmado o diagnóstico da SAAF, o tratamento proposto consiste na associação ácido acetilsalicílico (AAS- 100mg/dia) e heparina de baixo peso molecular na dose profilática.
Em geral, AAS deverá ser mantido até 36 semanas de idade gestacional, e a heparina é retirada 24 horas antes de o parto ser realizado, retornando o seu uso durante o puerpério.
Trombofilias hereditárias
Não há estudos definitivos que comprovem a associação do aborto recorrente e tromboflias hereditárias (fator V de Leiden, mutações do gene da protrombina, deficiências de proteína C, proteína S e antitrombina III, hiper- homocisteinemia).
É indicado a pesquisa de trombofilias hereditárias para casos de aborto de repetição quando houver história pessoal ou familiar de trombose ou quando não foi encontrado outro fator causal.
4- Causas hormonais
As alterações hormonais são identificadas em cerca de 10% a 15% das mulheres com aborto de repetição, as principais delas são os distúrbios da tireoide.
A investigação, tem o objetivo de identificar as alterações hormonais que estão associados a perdas gestacionais e inclui exames como, hormônio tireoestimulante (TSH), glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada, dosagem de prolactina.
Os distúrbios tireoidianos, hipotireoidismo e hipertireoidismo, se não tratados de forma adequada estão associadas a maior frequência de abortamento, e outras intercorrências obstétricas como, prematuridade, baixo peso ano nascer, óbito fetal, complicações hipertensivas, dentre outras.
A intolerância à glicose ou pré-diabetes deve ser corrigida antes da gravidez, pois está associada a maiores chances de abortamento e malformações fetais.
Níveis elevados de prolactina podem se relacionar a perdas fetais. Dessa forma, na presença na de sinais e sintomas clínicos sugestivos de hiperprolactinemia é obrigatória a dosagem de prolactina.
5- Infecções
Estima-se que a taxa de abortos isolados devido a infecções varie entre 10 a 15%. No entanto, a associação entre infecções e o aborto de repetição permanece controversa.
As infecções que podem ser associadas as perdas fetais são: sífilis, toxoplasmose, infecções genitais causadas por Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum; infecções por citomegalovírus, dentre outras.
As pacientes com aborto recorrente devem ser cuidadosamente avaliadas, deve ser realizado exame físico e laboratorial para excluir infecções. Deve ser realizado as sorologias. E recomenda-se também a bacterioscopia do conteúdo vaginal e pesquisa específica de agentes como Chlamydia.
Os abortamentos de repetição causam bastante angústia e apreensão aos casais. Há necessidade de ter uma equipe que passe segurança à mulher e ao seu parceiro, que mostre as dificuldades desse quadro e os acompanhe muito de perto. E é muito importante dizer que, mesmo após três abortos, a chance de uma nova gravidez ter sucesso é de cerca de 70%.
Por isso, é importante seguir as recomendações médicas para que se tenha as melhores chances possíveis. Se você precisa de acompanhamento ou deseja fazer uma avaliação, agende uma consulta.